jueves, 18 de agosto de 2005

Fado

Después de bastante tiempo, recuperé unos fados portugueses que hacía tiempo no oía.

No son Amalia (la Amalia Rodrigues del taxista portugués de Buenos Aires), pero son buenos, a mi gusto.

Están -eso sí- bastante remozados en las letras y en la dicción. Las voces son muy atinadas, aunque una de ellas - la de Mísia- no es exactamente portuguesa, salvo "por opción", como las ciudadanías.

Hay dejos como si dijera sincretistas, creo, en la intención de las letras. Hay una melancolía que podría ser pagana, o tal vez puramente natural, como hay cierta alusión de fondo, cierto rumor atávico, cierto paisaje como si dijera de 'terra meiga' (por usar una expresión gallega); pero -puedo equivocarme porque no soy experto- no sé si de eso no hay bastante en el fado en general, después de todo.

Están más que bien dichos, en cualquier caso. También hay, en Pontes aquí y allá, un poquitín de política -reivindicaciones por tristezas de los 'coloniales' o pobrezas campesinas- que no llega a molestar.

Dulce Pontes y Mísia son las intérpretes y, en el caso de la portuguesa Dulce, a veces también compone. Aquí hay muestras de las letras, dos de la primera y una de la segunda.
Garça perdida
João Mendonça/Leonardo Amuedo

Anoiteceu
no meu olhar
de feiticeira,
de estrela do mar,
de céu,
de lua cheia,
da garça perdida na areia.

Anoiteceu
no meu olhar,
perdi as penas,
não posso voar,
deixei filhos
e ninhos,
cuidados,
carinhos,
no mar...

Só sei voar
dentro de mim
neste sonho de abraçar
o céu sem fim,
o mar,
a terra inteira!

E trago o mar
dentro de mim,
como o céu
vivo a sonhar
e vou sonhar
até ao fim,
até não mais acordar...

Então, voltarei
a cruzar
este céu e este mar,
voarei, voarei
sem parar
á volta da terra inteira!

Ninhos faria
de lua cheia
e depois,
dormiria na areia...


Porto de mágoas
Dulce Pontes/Dulce Pontes, Leonardo Amuedo

Esperar como quem sonha
um río a correr,
un lirio aberto a ser na alvorada,
um caminho, uma estrada
para além-mundo.
Querer no silêncio do nada
o sentimento fundo.

Mas no sentimento fundo do som
o mismo riso, o mesmo pranto,
meu ser em alvoroço
vai navegando as horas, uma a uma...
E as notas que se perdem sem querer,
se o mar não o quiser,
há sempre o espanto e a espuma.

E as mãos como gazelas, como pombas,
dedilhando a guitarra
com a benção da água.
E o tempo a envolver-se em minhas sombras,
neste amor que me amarra
ao teu porto de mágoa,
ao meu porto de mágoas.


Da vida quero o sinais
A Amir Hosseinpour
(Fado Tango)
Mário Cláudio - Joaquim Campos

Ó Deus do fado menor,
que reinas dentro de mim,
faz com que a taça da dor
se encha de um vinho em flor,
me mate a sede do fim.

Da vida quero os sinais
de uma gaivota na areia,
o aroma dos laranjais,
e a morte em que durar mais
o amor sem eira nem beira.

No espelho nu que me encante,
que fique um sopro de neve,
que uma estrela se levante,
quando este fado se cante
e a terra me seja leve.